“Aplicamos uma lei de mais de 70 anos para negócios inovadores e disruptivos”

15.02.17

Com a decisão, uma pessoa terá vínculo empregatício com a startup, que terá que assinar a carteira de trabalho de um motorista.

Felipe Moreno é editor-chefe do StartSe e fundador da startup Middi, era editor no InfoMoney antes
14 de fevereiro de 2017

Brasil acaba de marcar mais um gol contra o empreendedorismo. Com uma lei de 1943, acabamos de começar a dar tchau para a Uber no Brasil, ao reconhecer vínculo empregatício entre um motorista e a companhia, que presta o serviço de juntar motoristas autônomos e passageiros e NUNCA argumentou outra coisa.

Com a decisão, uma pessoa terá vínculo empregatício com a startup, que terá que assinar a carteira de trabalho desse motorista, multa rescisória pelo rompimento do contrato sem justa causa, horas extras, adicional noturno e restituição dos valores gastos com combustível. O que inviabilizaria o modelo da Uber no Brasil.

As milhares de pessoas que estavam desempregadas e encontraram na Uber uma forma de recuperar a dignidade deixarão de poder trabalhar justamente por conta disso . Nada é definitivo, porém, já que outras decisões foram tomadas e a Uber já ganhou diversas – inclusive neste mesmo tribunal. A companhia deve recorrer.

O problema é que a lei não está adequada a nova realidade – e até ter um julgamento em definitivo, não terá uma “tranquilidade jurídica” pela qual a Uber e outras startups poderão operar. “Estamos aplicando uma lei de mais de 70 anos para modelos de negócios inovadores e disruptivos, sem considerar toda esta nova realidade”, destaca Fábio Cendão, do escritório Faria, Cendão & Maia, especializado em startups.

“Vale lembrar que esta discussão também não é uma exclusividade do Brasil e vem acontecendo em outros lugares do mundo”, destaca o advogado. De fato, isto já ocorreu no Reino Unido, e na época conversei uma advogada trabalhista Mariana Drummond, do escritório Mariana Drummond Advogados, que alertou que este problema poderia acontecer por aqui. E aconteceu.

Essa decisão é especialmente caótica, pois VÁRIAS startups poderiam ser afetadas caso exista uma determinação para tal. “O modelo de negócio da Uber, assim como de outros aplicativos de transporte privado, é um modelo de plataforma multilateral pela qual se conecta motoristas e passageiros. Este modelo é adotado de forma similar por diversas outras startups, dentro da ótica do fenômeno apelidado de ‘Uberização’”, alerta Fábio.

Ou seja, startups que falam que são “Uber de X” ou “Uber de Y” possuem muito interesse na vitória da startup americana na justiça brasileira. “A confirmação deste entendimento pode inviabilizar outras startups com modelo negócio similar, como as que disponibilizam plataforma para conexão de usuários com prestadores de serviços, diaristas ou profissionais liberais, por exemplo”, destaca o advogado.

Mariana destaca que a empresa deverá recorrer para 2ª instância, que pode rever a decisão, decidindo pela manutenção ou reversão. “Depois dessa decisão ainda tem outros recursos possíveis. E se houver ações repetitivas sobre o caso, o TST será provocado para uniformizar essas decisões, o que eu acredito que será necessário”, explica a advogada.

Fábio acredita que não é fácil prever o que pode acontecer no futuro próximo. “Como é um assunto bem recente, ainda há pouca manifestação da doutrina e da jurisprudência e vemos posicionamentos para ambos os lados, o que torna difícil uma dar uma previsão”, diz.

Se a CLT está antiquada para o novo mundo que está se desenhando, é necessário que nossos legisladores reavaliem nossas leis para não ficarmos atrasados. “Além da controvérsia quanto a presença dos requisitos da relação de emprego, devemos refletir também é se a legislação ainda é suficiente para dar conta das novas tecnologias e modelos de negócio que cada vez mais são realidades na sociedade”, afirma o advogado..

E para as startups, essa é uma mudança fundamental, que poderia fortalecer o ecossistema brasileiro de maneira muito positiva. “No ambiente de incertezas que são desenvolvidas as startups, esta com certeza é uma das mais preocupantes, pois pode comprometer a essência do modelo amplamente utilizado”, termina Fábio.


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